O pescador
A tarde estava quase chegando ao fim. O calçadão, repleto de
pernas, dava passagem para todas elas sem reclamar. Ali também eu passava com
os ombros relaxados, os olhares a mercê da bela paisagem e o coração vibrando
com o cheiro da maresia e o frescor da baía. Olhava para o mar, querendo ser o
mar, e para o céu, querendo ser ele.
Foi aí que
eu o avistei. Solitário, em pé, com os braços erguidos, colocando uma isca na
vara mais pobre que lembro de ter visto. Ao seu lado um balde quebrado e quase
sem cor dava abrigo para algumas moscas, disputando o melhor espaço. Com as
calças dobradas até os joelhos e os pés dentro da água, fez um movimento brusco
e lá se foi a isca para o fundo do mar. Um mar de peixes, de águas, de vida. A linha se esticava e afrouxava conforme a
água balançava. A espera por um peixe fisgar, vinha acompanhada da fumaça vinda
do cigarro segurado com uma das mãos. Eu realmente queria entrar em sua cabeça
para saber por alguns instantes o que ele estava pensando. Só sei que parecia
estar bem confortável com a situação. Sem ver seus olhos, tinha a certeza de
que se sentia em casa. Um pescador ama pescar, mas adora mentir. Bem, se por
acaso ele dissesse que o pequeno peixe, que provavelmente iria pescar era do
tamanho de um tubarão, e eu escutasse, na certa me seguraria para não rir. Mas,
enfim... Ele continuava ali, tentando perfurar o mar com os olhares sem saber o
que estava por acontecer.
De repente
observei que a linha a estava muito esticada, e que a vara estava se envergando
brutalmente. A água balançava conforme ele tentava segurar a vara. Eu estava
empolgado com a cena. Muita ação de um minuto para o outro em uma paisagem tão
tranquila. Ele lutava com aquele mistério, forçando seus braços para trás. Do
nada o movimento cessou, e ele foi puxando levemente, pensando ter vencido.
Após alguns segundos, uma coloração negra podia ser vista. Algo grosso e preto.
Parou de puxar, tentando identificar, porém precisou chegar mais perto. De
frente para o mar deu uma última puxada antes de sentar e se lamentar com as
mãos cruzadas nos ombros.
E, então ele
gritou: - Meu Deus, eu pesquei um pneu! Maldito os homens que usam a vida para
matarem a vida.
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