O cão que ladra
Eu
andava como antes. Pensava como antes. Andava pisando no mesmo chão e pensava
estar sozinho. Chovia. Um vento frio anunciou as gotas e depois cessou quando
elas começaram. A madrugada era fria. A madrugada era como a madrugada. Como eu
sempre pensei que fosse. Como eu sempre notei quando andava.
O
silêncio rompia o barulho das batidas do meu coração. Ele estava rápido e
temeroso quanto ao silêncio sombrio que assombrava até os sem sombra.
Uma
viela escondia algo. Em uma lixeira algo se tacou. A viela denunciou o gato
faminto e curioso que me olhava como investigador. Bati um pé no chão e ele se
arrepiou, esquivando-se e correndo para o outro lado.
Uma outra viela foi vista. Diferente das
outras vezes ela parecia nunca ter sido pisada. Parecia mais um experimento que
não deu certo. Toda a paixão do experimentalista tinha se acabado e o
experimento tinha virado apenas mais um experimento.
Em
vão esperei ver mais um gato. Na verdade, não havia algo para ser visto. Havia
nada.
Me
preocupei em logo sair dali não por medo, até porque estava só e somente eu
poderia fazer mal para mim mesmo. Procurei sair logo, pois existe ansiedade
correndo nas veias. Existe incomodo quando se está num lugar tão vazio e sem
cor.
Poderia
estar olhando para dentro de mim, pois muitas vezes já tive a sensação de estar
vazio e sozinho vagando pelos próprios pensamentos. A solidão que avassala de fato
é a solidão em meio à muitas pessoas. No meio de olhares e falas. Estar sozinho
até que é mais fácil.
Continuei
caminhando e só continuei.
Uma
ação que se tornou comum.
Uma
outra viela. Um portão sem muitos cuidados estéticos. Estava torto. Estava
quase aberto. Estava como sempre esteve.
Um
rosnar foi ouvido. Minha pele se arrepiou. Um grau de pânico foi sentido. O
rosnar mais uma vez aconteceu. Quem rosnava me via muito bem, mas eu não via.
Jamais veria o som de um rosnar.
Passei
a querer ver.
Mais
uma vez o rosnar invadiu meus ouvidos, mas dessa vez o rosnar tinha olhos e dentes
afiados. Tinha também uma orelha sem pelos e com uma ferida. Os olhos eram tão
profundos...
Meu
coração estava embalado e minhas pernas bambeavam como nunca.
O
rosnar continuou e um latido foi iniciado. Um latido seco e feroz. Babento e
gosmento, como o interior de um quiabo da feira.
Dei
um passo para trás e dez para longe dali. Nunca havia corrido tanto. Nunca havia
visto algo do tipo. Nunca havia ouvido tamanho rosnar.
Me
enfiei na viela que encontrei pela frente. O silêncio voltou. O rosnar parou.
Estaria eu alucinando? Que surpresa seria abrir os olhos e ver o teto do meu
quarto. Que surpresa seria entender que tudo foi apenas um breve sonho
truculento.
Mas
não! A noite continuava me abrigando e a chuva caindo. O silêncio mais uma vez
falou fortemente comigo. Continuei andando.
O
rosnar voltou a ser ouvido. Parecia mais forte, parecia mais raivoso. Parecia mais
impossível de ser esquecido.
Estava
ansioso. Agoniado. Precisava saber o que aconteceria.
- Ei, Seu bostinha! Vem! Vem me pegar. Seu
rosnar não limpa nem a ceira dos meus ouvidos.
Fiquei parado. O ladrar mais preguiçoso
parou. Não se moveu mais. Não apareceu. Minha voz o censurou. Acabou com a
ilusão de que iria me assustar. Venci um gato faminto e um rosnar órfão de
atenção.
Eu ri alto, como nunca havia rido. Urinei
na lata do lixo virei de costas, seguindo para meu rumo anterior: RUMO ALGUM.
O cachorro ladrou como uma fera, mas se
calou ao ver outra fera o enfrentando. As vielas devem ter ficado bem felizes
com a ação da noite. A chuva levou os segundos perdidos e eternizou o fluxo de
coragem ou impulso.
O cachorro que ladra na madrugada. O
cachorro que se torna desprezível ao ver um homem que não tem medo do ladrar.
Viva o ladrar, pois ladrou e cansou-se.
Viva o homem que nas vielas se fez
presente e só acordou em sua cama no dia seguinte. A cama não foi o
esconderijo, mas sim um descanso após uma noite que ladrou como fera e terminou
como um manso silêncio.
Venha ladrar. Ladre. Tente ladrar. Bem...
estou esperando.
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